sexta-feira, 22 de julho de 2011

Aconteceu na caatinga

Aconteceu na caatinga


Ilustração: Flavio Morais



















Era meio-dia e a caatinga brilhava à luz incandescente do Sol. O pequeno Calango deslizou rápido sobre o solo seco, cheio de gravetos e pedras, parando na frente do majestoso Mandacaru, que apontava para o céu seus espinhos, os grandes braços abertos em cruz. 

– Mandacaru! Mandacaru! Eu ouvi os homens conversando lá adiante e eles estavam dizendo que, como a caatinga está muito seca e cor de cinza, vão trazer do estrangeiro umas árvores que ficam sempre verdes quando crescem e estão sempre cheias de folhas.

– Mas que novidade é essa? – falou a Jurema.

– Coisa de gente besta – disse o Cardeiro, fazendo um muxoxo irritado e atirando espinhos para todo lado.

– Eu é que não acredito nessas novidades – sussurrou o pequeno e tímido Preá.

A velha Cobra, cheia de escamas de vidro e da idade do mundo, só fez balançar a cabeça de um lado para o outro e, como se achasse que não valia a pena falar, ficou em silêncio.

E no outro dia, bem cedinho, os homens já haviam plantado centenas de arvorezinhas muito agitadas, serelepes e faceiras, que falavam todas ao mesmo tempo na língua lá delas, reclamando de tudo: do Sol, da poeira, dos bichos e das plantas nativas, que elas achavam pobres, feias e espinhentas. Enquanto falavam, farfalhavam e balançavam os pequenos galhos, que iam crescendo, ganhando folhas e ficando cada vez mais fortes.

Enquanto isso, as plantas da caatinga, acostumadas a viver com pouca água, começaram a notar que essa água estava cada vez mais difícil de encontrar. As raízes do Mandacaru, da Jurema e do Cardeiro cavavam, cavavam e só encontravam a terra seca e esturricada.

O Calango então se reuniu com os outros bichos e plantas para encontrar uma solução. E foi a velha Cobra quem matou a charada:

– Quem está causando a seca são essas plantinhas importadas e metidas a besta! Eu me arrastei por debaixo da terra e vi o que elas fazem: bebem toda a nossa água e não deixam nada para a gente.

– Oxente! – gritou o Calango. – Então vou contar isso aos homens e pedir uma solução.

Mas logo o Calango voltou, triste e decepcionado.

– Os homens não me deram atenção – disse. – Falaram que eu não tenho instrução, não fiz universidade e que eu estou atrapalhando o progresso da caatinga.

E todos os bichos e plantas ficaram tristes, mas estavam com tanta sede que nem sequer puderam chorar: não havia água para fabricar as lágrimas. Por muitos dias ficaram assim e quando estavam à beira da morte houve um movimento: era o Preá, que levantou o narizinho, farejou o ar e, esquecendo a timidez, gritou:

– Estou sentindo cheiro de água!

– É mesmo! – gritaram todos.

– O que será que aconteceu? – perguntou a Jurema.

– Eu vou ver o que foi – e o Calango saiu veloz, espalhando poeira para todos os lados.

O Mandacaru estirou os braços, espreguiçou-se e sorriu:

– Estou recebendo água de novo! Hum... É muito bom! Mas vejam! O Calango está de volta com novidades!

E espichando meio palmo de língua de fora, morto de cansado pela carreira, o Calango contou tudo.

– As pequenas bandidas verdes, depois de beber quase toda a água da caatinga, estavam ameaçando a água dos rios e dos açudes perto das cidades. Os homens então viram o perigo e deram fim a todas elas. Estamos salvos!

E todos ficaram alegres, sentindo a água subir pelas raízes. Olharam para o céu azul da caatinga, aquele céu claro, o Sol brilhante, olharam uns para os outros e viram que eram irmãos, na mesma natureza, no mesmo tempo, na mesma Terra.

E a velha Cobra, desenroscando-se toda lentamente, piscou o olho e concluiu:

– É como dizia minha avó: cada macaco no seu galho!

Conto de Clotilde Tavares, ilustrado por Flavio Morais

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