quinta-feira, 29 de setembro de 2011

De Bem com a Vida

De Bem com a Vida

Foto:
 
Filó, a joaninha, acordou cedo.
– Que lindo dia! Vou aproveitar para visitar minha tia.
– Alô, tia Matilde. Posso ir aí hoje?
– Venha, Filó. Vou fazer um almoço bem gostoso.
Filó colocou seu vestido amarelo de bolinhas pretas, passou batom cor-de-rosa, calçou os sapatinhos de verniz, pegou o guarda-chuva preto e saiu pela floresta: plecht, plecht...
Andou, andou... e logo encontrou Loreta, a borboleta.
– Que lindo dia!
– E pra que esse guarda-chuva preto, Filó?
– É mesmo! – pensou a joaninha. E foi para casa deixar o guarda-chuva.
De volta à floresta:
– Sapatinhos de verniz? Que exagero! – Disse o sapo Tatá. Hoje nem tem festa na floresta.
– É mesmo! – pensou a joaninha. E foi para casa trocar os sapatinhos.
De volta à floresta:
– Batom cor-de-rosa? Que esquisito! – disse Téo, o grilo falante.
– É mesmo! – disse a joaninha. E foi para casa tirar o batom.
– Vestido amarelo com bolinhas pretas? Que feio! Por que não usa o vermelho? – disse a aranha Filomena.
– É mesmo! – pensou Filó. E foi para casa trocar de vestido.
Cansada da tanto ir e voltar, Filó resmungava pelo caminho. O sol estava tão quente que a joaninha resolveu desistir do passeio.
Chegando em casa, ligou para tia Matilde.
– Titia, vou deixar a visita para outro dia.
– O que aconteceu, Filó? – Ah! Tia Matilde! Acordei cedo, me arrumei bem bonita e saí andando pela floresta. Mas no caminho...
– Lembre–se, Filozinha... gosto de você do jeitinho que você é. Venha amanhã, estarei te esperando com um almoço bem gostoso.
No dia seguinte, Filó acordou de bem com a vida. Colocou seu vestido amarelo de bolinhas pretas, amarrou a fita na cabeça, passou batom cor-de-rosa, calçou seus sapatinhos de verniz, pegou o guarda-chuva preto, saiu andando apressadinha pela floresta, plecht, plecht, plecht... e só parou para descansar no colo gostoso da tia Matilde.
Quem é quem
Nye Ribeiro, autora desta fábula, é educadora e jornalista e já escreveu mais de 30 livros. Seus últimos lançamentos são Boi Zambu e o Musquitim de Direção (24 págs., Ed. Roda e Cia., tel. [19] 3859-9393, 23 reais) e Colorina, a Árvore da Vida (24 págs., Ed. Roda e Cia., 21 reais). Para saber sobre ela, acesse www.nyeribeiro.com.brwww.rodaecia.com.br.

Nina Moraes, que ilustrou este conto com desenhos e colagens em tecido, é gaúcha de Porto Alegre. Jornalista e ilustradora, colabora com revistas como Bravo e Saúde!, da Editora Abril, além de participar de projetos editoriais e publicitários.

sábado, 24 de setembro de 2011

A lenda do preguiçoso

A lenda do preguiçoso

Ilustração: Orlando
Ilustração: Orlando
Diz que era uma vez um homem que era o mais preguiçoso que já se viu debaixo do céu e acima da terra. Ao nascer nem chorou, e se pudesse falar teria dito:

“Choro não. Depois eu choro”.

Também a culpa não era do pobre. Foi o pai que fez pouco caso quando a parteira ralhou com ele: “Não cruze as pernas, moço. Não presta! Atrasa o menino pra nascer e ele pode crescer na preguiça, manhoso”.

E a sina se cumpriu. Cresceu o menino na maior preguiça e fastio. Nada de roça, nada de lida, tanto que um dia o moço se viu sozinho no pequeno sítio da família onde já não se plantava nada. O mato foi crescendo em volta da casa e ele já não tinha o que comer. Vai então que ele chama o vizinho, que era também seu compadre, e pede pra ser enterrado ainda vivo. O outro, no começo, não queria atender ao estranho pedido, mas quando se lembrou de que negar favor e desejo de compadre dá sete anos de azar...

E lá se foi o cortejo. Ia carregado por alguns poucos, nos braços de Josefina, sua rede de estimação. Quando passou diante da casa do fazendeiro mais rico da cidade, este tirou o chapéu, em sinal de respeito, e perguntou:

“Quem é que vai aí? Que Deus o tenha!”

“Deus não tem ainda, não, moço. Tá vivo.”

E quando o fazendeiro soube que era porque não tinha mais o que comer, ofereceu dez sacas de arroz. O preguiçoso levantou a aba do chapéu e ainda da rede cochichou no ouvido do homem:

“Moço, esse seu arroz tá escolhidinho, limpinho e fritinho?”

“Tá não.”

“Então toque o enterro, pessoal.”

E é por isso que se diz que é preciso prestar atenção nas crendices e superstições da ciência popular.
Lenda recontada por Giba Pedroza, ilustrada por Orlando

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Memórias de uma infância química

Memórias de uma infância química

Ilustração: Marcelo Hardt
Ilustração: Marcelo Hardt
Muitas das minhas lembranças da infância têm relação com metais: eles parecem ter exercido poder sobre mim desde o início. Destacavam-se em meio à heterogeneidade do mundo por seu brilho e cintilação, pelos tons prateados, pela uniformidade e peso. Eram frios ao toque, retiniam quando golpeados.

Eu adorava o amarelo do ouro, seu peso. Minha mãe tirava a aliança do dedo e me deixava pegá-la um pouco, comentando que aquele material se mantinha sempre puro e nunca perdia o brilho. "Está sentindo como é pesado?", ela acrescentava. "Mais pesado até do que o chumbo". Eu sabia o que era chumbo, pois já segurara os canos pesados e maleáveis que o encanador uma vez esquecera lá em casa. O ouro também era maleável, minha mãe explicou, por isso, em geral, o combinavam com outro material para torná-lo mais duro.

O mesmo acontecia com o bronze. Bronze! - a palavra em si já me soava como um clarim, pois uma batalha era o choque valente de bronze contra bronze, espadas de bronze em escudos de bronze, o grande escudo de Aquiles. O cobre também podia ser combinado com zinco para produzir latão, acrescentou minha mãe. Todos nós - minha mãe, meus irmãos e eu - tínhamos nosso menorá de bronze para o Hanucá. (O de meu pai era de prata.)

Eu conhecia o cobre - a reluzente cor rósea do grande caldeirão em nossa cozinha era cobre; o caldeirão era tirado do armário só uma vez por ano, quando os
marmelos e as maçãs ácidas amadureciam no pomar e minha mãe fazia geléias com eles.

Eu conhecia o zinco - o pequeno chafariz fosco e levemente azulado onde os pássaros se banhavam no jardim era feito de zinco; e o estanho - a pesada folha-deflandres
em que eram embalados os sanduíches para piquenique. Minha mãe me mostrou que, quando se dobrava estanho ou zinco, eles emitiam um "grito” espacial". "Isso é devido à deformação da estrutura cristalina", ela explicou, esquecendo que eu tinha 5 anos e por isso não a compreendia - mas ainda assim suas palavras me fascinavam, faziam-me querer saber mais.

Havia um enorme rolo compressor de ferro fundido no jardim - pesava mais de 200 quilos, meu pai contou. Nós, crianças, mal conseguíamos movê-lo, mas meu pai era fortíssimo e conseguia erguê-lo do chão. O rolo estava sempre um pouco enferrujado, e isso me afligia - a ferrugem descascava, deixando pequenas cavidades e escamas -, porque eu temia que o rolo inteiro algum dia se esfarelasse pela corrosão, se reduzisse a uma massa de pó e flocos avermelhados. Eu tinha necessidade de ver os metais como estáveis, como é o ouro - capazes de resistir aos danos e estragos do tempo.
Trecho do livro Tio Tungstênio - Memórias de uma Infância Química, de Oliver Sacks (Ed. Companhia das Letras, 2002), ilustrado por Marcelo Hardt

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Aprendizagem

Aprendizagem

Ilustração: Eva Uviedo
– Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer?
– Hã?
– Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo?
– Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha.
A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada com unhas.
– Todo dia, mãe?
– É, só que a gente não repara.
– Por quê?
– Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha?
A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder.
– Você é muito ocupada, não é, mãe?
– Hã?
– Nada, não.
A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário.
Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade é que ficou meio torto.
"Nada, não cresceu nada", ela conclui, guardando a fita. E já tem uma semana!
Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis.
– Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer?
– Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não, criatura?
Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve responder.
A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa chega da rua e o almoço nem está pronto ainda.
– Mãe!
– O que foi?
– É que eu estava aqui pensando.
– Pensando o quê?
Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras certas.
– Vai, fala logo.
– Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu?
– Não, não entendi.
Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar:
– Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo?
– Ai, meu Deus!
Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca.
Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela:
– Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu?
E com um carinho:
– Foi minha mãe que me ensinou.
Flávio Carneiro, autor deste conto, é roteirista, ensaísta e professor de Literatura. Tem 11 livros publicados, dentre eles, A Distância das Coisas (Editora SM), vencedor do III Prêmio Barco a Vapor.
Ilustração: Eva Uviedo

sábado, 10 de setembro de 2011

Pégaso e Andrômeda, a princesa acorrentada

Pégaso e Andrômeda, a princesa acorrentada

Ilustração: Ivan Zigg
Ilustração: Ivan Zigg
Diz a lenda que muito tempo atrás, num distante país do Oriente, havia um rei chamado Cefeu, casado com a linda rainha Cassiopéia. Tal era a fama de sua beleza, que as pessoas vinham em caravana dos lugares mais remotos apenas para contemplá-la. Com o passar do tempo, a rainha começou a se considerar a mulher mais bonita do mundo. Foi nessa época que cometeu um grande erro. Diante de uma multidão que a aclamava, ousou dizer que era mais bela que as Nereidas. Essas ninfas, para infelicidade da rainha, eram protegidas pelo poderoso deus dos mares – Posêidon –, que ficou irado com a comparação. Num acesso de fúria, ergueu-se das águas segurando o tridente, seu enorme cetro de três pontas, e lançou uma maldição sobre o reino. O nível do mar subiu rapidamente e inundou grande parte do país. Ainda insatisfeito, o deus dos oceanos enviou um monstro marinho para devorar qualquer criatura que se aproximasse do reino pela região costeira.

Os pescadores não se atreviam mais a sair de casa. Os navios estrangeiros que costumavam trazer preciosas mercadorias, não podendo atracar, nem saíam mais de seus portos. E o rei Cefeu foi aconselhado a realizar um sacrifício para aplacar a ira do deus ofendido. A vítima escolhida foi a princesa Andrômeda, sua filha. Deveriam amarrá-la aos rochedos para ser devorada por Cetus, o monstro que aterrorizava a costa. Andrômeda, que além de linda era muito corajosa, resolveu apresentar-se ao sacrifício para salvar o reino. E assim foi amarrada aos rochedos e ficou esperando o monstro.

Enquanto isso, longe dali, um jovem herói cumpria certa profecia. O belo Perseu, filho de Zeus – deus da terra e do céu, que habitava o monte Olimpo – e da princesa Danae, havia recebido três presentes muito especiais: o manto da invisibilidade, sandálias com asas e um escudo de metal tão polido que mais parecia um espelho. Sua incumbência era matar a Medusa, um monstro em forma de mulher, cujos cabelos eram serpentes vivas. Todos os seres que a Medusa olhava se transformavam imediatamente em pedra. Usando seu manto e voando com as sandálias mágicas, Perseu conseguiu se aproximar da Medusa enquanto esta dormia. Quando ela pressentiu a presença de alguém, despertou, mas viu apenas sua própria imagem refletida no escudo polido do nosso herói. Antes que petrificasse, ele cortou-lhe a cabeça e colocou- a dentro de uma bolsa mágica de couro.

Quando voltava dessa arriscada missão, o jovem encontrou Andrômeda acorrentada nos rochedos e ambos ficaram perdidamente apaixonados. Mas, no exato instante em que eles se olharam, o monstro Cetus apareceu. Foi só então que Perseu se lembrou que trazia consigo a cabeça da Medusa. E não pestanejou. Aproximouse o mais que pôde e mostrou os olhos petrificantes da Medusa para Cetus, que imediatamente se transformou em pedra e caiu no fundo do oceano. Quando tudo parecia terminado, Perseu aproximou-se de Andrômeda para soltá-la, mas nesse exato instante uma gota de sangue da Medusa, que restara na bolsa, caiu no mar. Posêidon era apaixonado pela Medusa, mas nunca tinha conseguido tocá-la. Essa única gota de sangue em contato com a água provocou um estrondo e uma abundante espuma branca, da qual emergiu um belíssimo cavalo alado chamado Pégaso. E assim, ao ver o filho de sua amada, Posêidon abandonou a idéia de vingança.

Muitas lutas o herói Perseu precisou vencer para chegar à felicidade e casar-se com Andrômeda. E propagou essa vitória ao mundo, mostrando a todos a cabeça decepada da inimiga. Por fim, livrou-se dela ofertando-a à deusa Atena, sua protetora.

Segundo a lenda, Pégaso foi recebido no monte Olimpo, morada dos deuses gregos, e, tempos depois, transformou-se numa das constelações mais representativas da primavera – estação do ano que começa entre 21 e 23 de setembro no hemisfério sul. 
Lenda grega recontada por Walmir Cardoso, ilustrada por Ivan Zigg

domingo, 4 de setembro de 2011

Lépida

Lépida

Ilustração: Beto e Andréa
Ilustração: Beto e Andréa
Tudo lento, parado, paralisado.

– Maldição! – dizia um homem que tinha sido o melhor corredor daquele lugar.

– Que tristeza a minha – lamentava uma pequena bailarina, olhando para as suas sapatilhas cor-de-rosa.

Assim estava Lépida, uma cidade muito alegre que no passado fora reconhecida pela leveza e agilidade de seus habitantes. Todos muito fortes, andavam, corriam e nadavam pelos seus limpos canais.

Até que chegou um terrível pirata à procura da riqueza do lugar. Para dominar Lépida, roubou de um mago um elixir paralisante e despejou no principal rio. Após beberem a água, os habitantes ficaram muito lentos, tão lentos que não conseguiram impedir a maldade do terrível pirata. Seu povo nunca mais foi o mesmo. Lépida foi roubada em seu maior tesouro e permaneceu estagnada por muitos anos.

Um dia nasceu um menino, que foi chamado de Zim. O único entre tantos que ficou livre da maldição que passara de geração em geração. Diferente de todos, era muito ágil e, ao crescer, saiu em busca de uma solução. Encontrou pelo caminho bruxas de olhar feroz, gigantes de três, cinco e sete cabeças, noites escuras, dias de chuva, sol intenso. Zim tudo enfrentou.

E numa noite morna, ao deitar-se em sua cama de folhas, viu ao seu lado um velho de olhos amarelos e brilhantes. Era o mago que havia sido roubado pelo pirata muitos anos antes. Zim ficou apreensivo. Mas o velho mago (que tudo sabia) deu-lhe um frasco. Nele havia um antídoto e Zim compreendeu o que deveria fazer. Despejou o líquido no rio de sua cidade.

Lépida despertou diferente naquela manhã. Um copo de água aqui, um banho ali e eram novamente braços que se mexiam, pernas que corriam, saltos e sorrisos. E a dança das sapatilhas cor-de-rosa.
Conto de Carla Caruso, ilustrado por Beto e Andréa