A gata apaixonada
Ilustração: Andrea Ebert
Quando perguntam como é que eu consegui sair com a Carla, eu respondo que foi por causa do Aldemir Martins. O pintor famoso.
Eu estava, tranqüilo, estudando. Juro. Lá pelas 3 da tarde o telefone tocou. Era ela, a vizinha da casa 3.
A mãe morreu há uns quatro anos. O pai é superciumento, não a deixa satir de casa nunca.
– Oi, Rodrigo... Você tem um gato grande, malhado?
– Tenho. O nome dele é Sorvete.
– Sorvete?
– Quando a gente encosta a mão, ele se derrete todo.
– Ele briga com a minha gata, a Tati. Já aconteceu várias vezes. Acho que é ciúme.
– De outro gato?
– Não. De um quadro. Uma pintura. Do Aldemir Martins.
Dez minutos depois eu estava na sala da casa dela. Só nós dois.
– Você vai ver – ela disse.
– É sempre na mesma hora. Já ouviu falar do Aldemir Martins?
– Já. É um pintor famoso pra caramba. Mora aqui em São Paulo.
– Morava. Morreu há pouco tempo. Minha mãe era apaixonada pela pintura dele. Ele ilustrava livros, revistas, jornais... Pintava cangaceiros, galos, passarinhos, peixes...
– Tô sabendo. Desenhava até rótulos de maionese, de vinho...
– Minha mãe comprava tudo que podia. A gente comia em pratos desenhados por ele, tinha lençóis, tapetes, cortina de banheiro...
Carla me levou pra um canto da sala. Em cima de uma imitação de lareira, havia uma tela do Aldemir Martins, pequena, com o desenho de um gato. Um gato gordo, vermelho e azul, um focinho enorme, mostrando as garras, sedutor, os olhos verdes calmos, hipnóticos.
– Minha mãe adorava esse quadro.
Então ela me puxou pra trás de uma cortina pesada, que cobria a vidraça que dava pro jardim.
Tati entrou na sala. Pulou pro beiral da falsa lareira e parou em frente ao quadro, olhando pro gato pintado. Ficamos assim uns 20 minutos, escondidos, calados. Até que ele apareceu. O velho Sorvete. O gato mais descolado do pedaço. Veio gingando, passou entre os móveis, parou na frente da lareira, olhou pro alto e não gostou nada do que viu.
Carla segurou no meu braço.
Sorvete pulou pro beiral.
Briga de gato é mais rápido que videogame. Tati pulou, atravessou uma janela aberta e fugiu pro jardim, com o Sorvete atrás.
– Minha mãe dizia que um artista é capaz de recriar a vida. Se Deus existe, com certeza é um artista. Mas acho que você vai ter de trancar o Sorvete em casa, Rodrigo. Não gostei daquilo.
– Não, Carla. A gente encontra outro jeito. Pra mim as pessoas, os bichos, qualquer coisa que se mexa... têm de ter liberdade. Têm de ter uma janela aberta.
– Mas o Sorvete é meio selvagem...
– Isso. É assim que eu gosto dele. Eu também sou meio selvagem. Sabe o que eu faço? Eu como o tomate inteiro. Eu não fico esperando a minha mãe partir e colocar na salada!
Ela riu. Não sei de onde eu tirei essa história do tomate. Aí me empolguei, e ia dar mais exemplos de como eu era selvagem, mas a cortina se abriu de repente e o pai dela apareceu.
O cara ficou nervoso, quase chamou a polícia, mas depois a gente explicou, ele se arrependeu e acabou até deixando a filha sair comigo.
Eu e a Carla estamos namorando. Juro.
Eu estava, tranqüilo, estudando. Juro. Lá pelas 3 da tarde o telefone tocou. Era ela, a vizinha da casa 3.
A mãe morreu há uns quatro anos. O pai é superciumento, não a deixa satir de casa nunca.
– Oi, Rodrigo... Você tem um gato grande, malhado?
– Tenho. O nome dele é Sorvete.
– Sorvete?
– Quando a gente encosta a mão, ele se derrete todo.
– Ele briga com a minha gata, a Tati. Já aconteceu várias vezes. Acho que é ciúme.
– De outro gato?
– Não. De um quadro. Uma pintura. Do Aldemir Martins.
Dez minutos depois eu estava na sala da casa dela. Só nós dois.
– Você vai ver – ela disse.
– É sempre na mesma hora. Já ouviu falar do Aldemir Martins?
– Já. É um pintor famoso pra caramba. Mora aqui em São Paulo.
– Morava. Morreu há pouco tempo. Minha mãe era apaixonada pela pintura dele. Ele ilustrava livros, revistas, jornais... Pintava cangaceiros, galos, passarinhos, peixes...
– Tô sabendo. Desenhava até rótulos de maionese, de vinho...
– Minha mãe comprava tudo que podia. A gente comia em pratos desenhados por ele, tinha lençóis, tapetes, cortina de banheiro...
Carla me levou pra um canto da sala. Em cima de uma imitação de lareira, havia uma tela do Aldemir Martins, pequena, com o desenho de um gato. Um gato gordo, vermelho e azul, um focinho enorme, mostrando as garras, sedutor, os olhos verdes calmos, hipnóticos.
– Minha mãe adorava esse quadro.
Então ela me puxou pra trás de uma cortina pesada, que cobria a vidraça que dava pro jardim.
Tati entrou na sala. Pulou pro beiral da falsa lareira e parou em frente ao quadro, olhando pro gato pintado. Ficamos assim uns 20 minutos, escondidos, calados. Até que ele apareceu. O velho Sorvete. O gato mais descolado do pedaço. Veio gingando, passou entre os móveis, parou na frente da lareira, olhou pro alto e não gostou nada do que viu.
Carla segurou no meu braço.
Sorvete pulou pro beiral.
Briga de gato é mais rápido que videogame. Tati pulou, atravessou uma janela aberta e fugiu pro jardim, com o Sorvete atrás.
– Minha mãe dizia que um artista é capaz de recriar a vida. Se Deus existe, com certeza é um artista. Mas acho que você vai ter de trancar o Sorvete em casa, Rodrigo. Não gostei daquilo.
– Não, Carla. A gente encontra outro jeito. Pra mim as pessoas, os bichos, qualquer coisa que se mexa... têm de ter liberdade. Têm de ter uma janela aberta.
– Mas o Sorvete é meio selvagem...
– Isso. É assim que eu gosto dele. Eu também sou meio selvagem. Sabe o que eu faço? Eu como o tomate inteiro. Eu não fico esperando a minha mãe partir e colocar na salada!
Ela riu. Não sei de onde eu tirei essa história do tomate. Aí me empolguei, e ia dar mais exemplos de como eu era selvagem, mas a cortina se abriu de repente e o pai dela apareceu.
O cara ficou nervoso, quase chamou a polícia, mas depois a gente explicou, ele se arrependeu e acabou até deixando a filha sair comigo.
Eu e a Carla estamos namorando. Juro.
Conto de Ivan Jaf, ilustrado por Andrea Ebert
Nenhum comentário:
Postar um comentário