sábado, 17 de dezembro de 2011

A seca e o inverno

Ilustração: Joana Lira
Ilustração:Na seca inclemente no nosso Nordeste 


























O sol é mais quente e o céu, mais azul
E o povo se achando sem chão e sem veste
Viaja à procura das terras do Sul

Porém quando chove tudo é riso e festa
O campo e a floresta prometem fartura
Escutam-se as notas alegres e graves
Dos cantos das aves louvando a natura

Alegre esvoaça e gargalha o jacu
Apita a nambu e geme a juriti
E a brisa farfalha por entre os verdores
Beijando os primores do meu Cariri

De noite notamos as graças eternas
Nas lindas lanternas de mil vaga-lumes
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes

Se o dia desponta vem nova alegria
A gente aprecia o mais lindo compasso
Além do balido das lindas ovelhas
Enxames de abelhas zumbindo no espaço

E o forte caboclo da sua palhoça
No rumo da roça de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo e contente
Lançar a semente na terra molhada

Das mãos deste bravo caboclo roceiro
Fiel prazenteiro modesto e feliz
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso do nosso país
Cordel de Patativa do Assaré, ilustrado por Joana Lira

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O espelho e a perua

O espelho e a perua

Ilustração: Ionit
Ilustração: Ionit 
A confusão começou
Certa vez, no galinheiro,
Quando as aves encontraram
Um espelho no terreiro.

Uma galinha vaidosa
Logo quis contar vantagem:
– Com licença, galináceas,
Vim conferir minha imagem!

A pata, torcendo o bico,
Comentou com a vizinha:
– Não vale arrancar as penas
Pra parecer mais magrinha!

E qual não foi a surpresa
Das aves estabanadas:
No reflexo do espelho
Só tinha coisas erradas!

Quem era alta e bela
Viu-se feiosa e baixinha.
Quem era gorda e forte
Ficou magrela e fraquinha.

– Credo! – grasnou o marreco.
– Cruzes! – o pinto piou.
– Incrível! – cantou o galo.
E o papagaio berrou.

A galinha carijó
Foi quem depressa falou:
– Este espelho tem feitiço...
Foi a bruxa que o mandou!

– Mentira! – disse a perua,
Balançando as pulseiras.
– Li esse conto de fadas,
Vocês só dizem besteiras!

Estufou-se, bem danada,
Mostrando o papo vermelho.
E com pose de malvada
Fez a pergunta ao espelho:

– Espelho, espelho meu!
Responda se há no mundo
Outra ave mais bonita,
Mais charmosa e elegante,
Mais esperta e fascinante,
Mais incrível e imponente,
Mais formosa do que eu?
Diga logo, espelho meu!!

Os bichos, impressionados,
Ouviram com atenção
A resposta do espelho
A tamanha pretensão:

– Se você quer a verdade,
Vou dizê-la, nua e crua.
E mostrar a realidade
Para uma simples perua.

Você disse que é esperta,
Imponente e charmosa.
Mas parece antipática,
Falando assim, toda prosa.

Desfila o ano inteiro
Como se fosse a tal.
Mas foge do cozinheiro
Quando chega o Natal!
Poema de Flávia Muniz, ilustrado por Ionit

sábado, 3 de dezembro de 2011

Sozinha

Sozinha

Ilustração: Fábio Cobiaco
Ilustração: Fábio Cobiaco
Sozinha, coitada.
Nunca estava acompanhada.
Pega-pega, sozinha não tinha.
Queimada, sozinha não dava.
Então, ela sentava a pensar.
Mas estava tão sozinha que
nem pensamento vinha.
Se Sozinha assim estava,
mais sozinha ia ficar,
Porque o S da Sozinha resolveu
se mandar.
Mal Ozinha se deu conta, o O
aproveitou o embalo e saiu rolando.
Desolada, sentia-se uma zinha qualquer.
“Ô, Zinha”, disse o Z.
E zapt, fugiu ligeiro, deixando
Inha para trás.
“Inha, Inha, inhaaaá!” Desandava a chorar.
Chorava, chorava até a lágrima secar.
E agora, o que fazer?
Olhou para um lado.
Olhou para o outro.
Para lá, para cá.
Até que seu pé se animou. Levantou
a Inha e se pôs a sambar.

Ali de cima, os olhos de
Inha observavam o seu pé,
que sacudia e sacudia.
E sacudindo contagiou o joelho,
que remexeu a coxa e fez
o bumbum rebolar.
Do bumbum para a barriga
foi um estalo.
Os ombros, que não são bobos,
entraram logo no embalo.
Quando Inha percebeu, do pescoço
para baixo estava um grande alvoroço.
Só faltava a cabeça. Então a boca disse:
“Entre na dança.” Êba! Vamos lá!

A alegria era tanta que atraiu muita
gente. E todos os pés ali presentes
convenceram seus donos a participar.
Inha estava contente, mas tão contente,
que nem se lembrava mais do tempo
em que tinha um S, um O e um Z,
que a deixavam Sozinha.
Deles queria distância. Mas não
entendam mal. O S para um samba,
o O num oi e o Z para um ziriguidum
seriam sempre bem-vindos.
Poema de Adriana Abujamra Aith e Ieda Abbud, ilustrado por Fábio Cobiaco