terça-feira, 13 de setembro de 2011

Aprendizagem

Aprendizagem

Ilustração: Eva Uviedo
– Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer?
– Hã?
– Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo?
– Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha.
A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada com unhas.
– Todo dia, mãe?
– É, só que a gente não repara.
– Por quê?
– Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha?
A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder.
– Você é muito ocupada, não é, mãe?
– Hã?
– Nada, não.
A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário.
Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade é que ficou meio torto.
"Nada, não cresceu nada", ela conclui, guardando a fita. E já tem uma semana!
Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis.
– Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer?
– Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não, criatura?
Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve responder.
A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa chega da rua e o almoço nem está pronto ainda.
– Mãe!
– O que foi?
– É que eu estava aqui pensando.
– Pensando o quê?
Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras certas.
– Vai, fala logo.
– Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu?
– Não, não entendi.
Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar:
– Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo?
– Ai, meu Deus!
Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca.
Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela:
– Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu?
E com um carinho:
– Foi minha mãe que me ensinou.
Flávio Carneiro, autor deste conto, é roteirista, ensaísta e professor de Literatura. Tem 11 livros publicados, dentre eles, A Distância das Coisas (Editora SM), vencedor do III Prêmio Barco a Vapor.
Ilustração: Eva Uviedo

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